Poucas pautas ensejaram tantas discussões no meio fiscal brasileiro dos últimos anos quanto a segunda fase da proposta de reforma tributária do governo federal (Projeto de Lei nº 2.337/2021), em análise no Senado.
Após uma série de idas e vindas, versões substitutivas do projeto, críticas de especialistas e do meio empresarial, a “reforma do IR” segue em ritmo de espera e como alvo de debates conduzidos pela classe política, a qual enfrenta pressões por um modelo de renovação do sistema tributário que, de fato, atenda aos interesses sociais e econômicos do país.
Mas o que, de fato, atemoriza empreendedores, investidores e toda uma gama de contribuintes, dado o possível avanço do Projeto de Lei nº 2.337/2021?
Uma perspectiva de reforma em fatias denota uma falta de abrangência e visão sobre o todo do sistema tributário brasileiro.
Sobre esta questão, em que se pesem os ganhos pontuais com a tabela de correção do Imposto de Renda, a desanimadora conclusão que uma leitura mais acurada do projeto apresenta é a de que, em última instância, estamos diante de uma proposta pouco abrangente, que majora alíquotas e penaliza investidores.
Analisando o texto sob o prisma dos impactos às empresas, um primeiro tópico mais evidente, nesse sentido, diz respeito à tributação de 15% de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre a distribuição de dividendos de lucros. Ficam isentas as empresas enquadradas no Simples Nacional e no lucro presumido com receita anual de até R$ 4,8 milhões.
Ora, mesmo com a redução na alíquota do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) – que, no texto base do governo federal, passaria dos atuais 15% para 8% – teríamos, grosso modo, um aumento de 9,2% na carga total de uma fatia considerável de empresas (incluindo companhias de médio ou mesmo pequeno porte em fase de expansão).
E, consequentemente, prejuízos fiscais que se traduzem em uma porcentagem reduzida de lucros recebidos, menor atração de investidores e aumento do custo-Brasil dentro da realidade de um país que, nunca é demais reforçar, luta pela sua retomada econômica e que já tem a segunda maior carga tributária da América Latina (cerca de 32,4%; menor apenas que a de Cuba, segundo dados da OCDE).
Outro ponto crítico envolve a extinção dos juros sobre capital próprio (JCP), que hoje são uma ferramenta importante no planejamento tributário das empresas por não decorrerem de seu lucro líquido (mas sim, do patrimônio) e poderem ser creditadas na conta de acionistas e sócios com alíquota de 15% de IR.
Ou seja, a partir da indedutibilidade dos juros sobre capital próprio, perde-se mais um instrumento de redução dos custos fiscais de uma empresa, visto que a taxação é inferior à da carga atual do IRPJ e continuaria sendo uma alternativa interessante mesmo com o avanço do Projeto de Lei nº 2.337/2021.
Ademais, uma série de especialistas há de se bater na tecla sobre um possível retorno da distribuição disfarçada de lucros, que seria uma consequência direta da tributação excessiva sobre dividendos, e que consiste na busca por outras formas de remuneração indireta, de modo que se evite a carga de IR sobre os lucros – tal via pode ocorrer pelo pelo pagamento de aluguéis, manutenção de bens, custeio de escolas etc.
Em tais casos, o peso da tributação sobre a distribuição de lucros pode ser ainda mais oneroso e chegar a 37% de IRRF, em uma clara estratégia punitivista. Em outras palavras: um beco sem saída para as organizações.
Dado o texto que vem sendo debatido no Congresso Nacional e mesmo com as atualizações dos relatores, não parece exagero afirmar que a reforma, tal e qual se apresenta hoje, traz muito mais retrocessos do que avanços para a lógica de um sistema tributário que já parece punir o contribuinte brasileiro e, sobretudo, a atividade empreendedora no país.
Enquanto não unirmos uma redução verdadeira e significativa de tributos com a simplificação fiscal – que, aliás, pouco avança nos moldes do presente projeto, em termos de apuração de impostos – não teremos supridas as necessidades de uma sociedade que, aliás, pouco recebe em retorno, no que concerne a serviços de qualidade para a população e estímulo ao ambiente empresarial para a geração de empregos.
Vale salientar ainda que uma perspectiva de reforma em “fatias” denota uma falta de abrangência e visão sobre o todo do sistema tributário brasileiro. Lembrando muito mais os antigos pacotes de atualizações tributárias dos anos 80 e 90, os quais pareciam perdidos no tempo.
Para que o Brasil seja mais competitivo, atraia investimentos e possa crescer de modo sustentável, temos, por fim, de repensar toda a ideia do Estado brasileiro e de seu peso para nosso avanço. Isso não se faz com uma reforma que, além de tudo, ainda majora alíquotas e com a qual parecemos caminhar rumo ao passado.
José Maria Chapina Alcazar é contador, presidente da Seteco, presidente do Instituto Renova de Cultura Empresarial e ex-presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas no Estado de São Paulo (Sescon-SP).
Artigo originalmente publicado no Jornal Valor Econômico.